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O que dizem os livros silenciosos - Parte 1


foto antiga de dois garotos carregando pilhas de livros

Desculpem a carta longa – o assunto é complexo demais para tratarmos com pressa. Por isso, esta edição da Livros Imperecíveis será dividida em duas partes. Esperamos que valha a pena acompanhar até o fim.


Há algumas semanas, o ator Dan Stulbach, em sua (sempre simpática) entrada matinal (epa!) no Jornal da CBN, manifestou a (boa) impressão de que só se falava de livros no Brasil. Seu sentimento (felizmente) correspondia aos fatos. Durante a Bienal do Livro, no Riocentro, a Rio-capital-do-livro e a Feira do Livro da 451, na praça do estádio do Pacaembu, em São Paulo, acompanhamos um (portentoso! vigoroso! espantoso!) vozerio de autores, leitores, poetas, editores, tradutores, prefaciadores, antologistas, roteiristas, jornalistas, críticos, capistas, influencers literários, booktokers (que se constituíram em profissionais da divulgação de obras e de autores), podcasters, youtubers (ufa!) falando... sobre livros.


(É difícil se avaliar com clareza quais serão as consequências de longo prazo para a vida cultural que convive com tamanha intimidade com as monopolistas redes sociais, mas é inegável que elas criaram um espaço de reverberação dos livros e dos autores que se retroalimenta como o fogo de morro acima – e que os saudosos e altamente prestigiosos suplementos literários da imprensa de outrora não conseguiriam rivalizar em alcance.)


Talvez o momento de maior notoriedade dessa intensa divulgação seja a campanha do Tiktok, incluída na Globo, protagonizada por Selton Melo – o ator brasileiro com mais visibilidade, por conta do Ainda estou aqui –, com a boa tagline “livros não terminam na última página”. As editoras no Brasil não produzem riqueza suficientemente grande para bancar campanhas desse porte, mas se beneficiam amplamente quando aparece uma delas com a penetração social tão grande quanto essa. Há alguns anos, a campanha do Itaú “leia para uma criança” fez mais pelo hábito de leitura e para a literatura infantil produzida no país do que muitos programas oficiais de educação e cultura.



Festa de arromba

E a erasmiana (do Erasmo da Tijuca, não o de Amsterdã que era brother do Aldo Manuzio, o italiano inventor do livro moderno, sobre o qual falaremos mais tarde) festa de arromba do livro ainda não acabou: está chegando a Flip aí, gente! De volta ao seu calendário habitual e repleta de boas expectativas com a curadoria de Ana Cecílio.


Uma das coisa mais interessantes da festa literária em Paraty, nos últimos anos, são os eventos de casas editoriais e autores independentes, que contribuem para fazer da Flip um acontecimento de colorido especial: não se constrói um mercado editorial consistente se não existir um conjunto de editoras (e canais para distribuição e comercialização de seus livros) indies fazendo a transfusão necessária de sangue novo. Também vem se fermentando um cooperativismo solidário inédito entre as editoras minúsculas e pequenas, que têm se organizado coletivamente para trocar experiências e participar de eventos como Bienal e feiras de livros.


Recomenda-se a quem precisa de injeção de otimismo com o Brasil uma estação nas águas medicinais das Bienais do Livro, do Rio e de São Paulo: é difícil ver o “séquito de araras vermelhas e jandaias” (como diria Mário de Andrade) da juventude que lota seus corredores extravasar sua paixão pelos livros e pelos autores e não se autoimunizar (por alguns momentos, reconheça-se) contra o negativismo em relação ao futuro do país. Nessas ocasiões, todos nós nos tornamos Stephan Zweigs por 15 minutos.


E, não nos esqueçamos de que, ainda no primeiro semestre de tantas notícias boas para o setor, houve um acontecimento de imenso simbolismo para toda a indústria do livro brasileira: o fato de um editor local, Luiz Schwarcz, que trabalha em mercado limitado, com recursos escassos e com uma língua sobejamente ignorada como a portuguesa, ter recebido (mais um) dos prestigiosíssimos prêmios editorais internacionais, o Cesare de Michelis, na Veneza do inventor do livro, Aldo Manuzio (como já se disse, vamos voltar a falar dele).



Simão pregando no deserto

Quem acompanha os livros há mais tempo sabe que divulgar já foi no Brasil um ato de Simão pregando no deserto. Nas décadas de 1970 e 1980, que assistiram à modernização da indústria editorial do país com casas como a Brasiliense, a Nova Fronteira, e, sobretudo a Companhia das Letras, que mudou o nome do jogo em muitos sentidos, raramente um fato cultural ganhava primeira página dos nossos principais jornais.


A amplitude da penetração que o mundo editorial conseguiu na sociedade brasileira hoje, era inimaginável então. A até as eleições e posses na Academia Brasileira de Letras recebem agora ampla cobertura – e vendem livros como não vendiam antes, como aconteceu com Um defeito de cor após o fato notável de sua autora, Ana Maria Gonçalves, ter sido a primeira escritora negra a entrar para a ABL.


Os ventos do tempo mudaram a direção, e agora se fala bastantemente sobre livros. Eles trouxeram, por exemplo, outros sopros de bondade: artistas criam seus clubes de leituras (Astrid Fontenelle e Zeca Camargo acabam de lançar o deles, salve, salve!): as adaptações para cinema (Marcelo Rubens Paiva, com méritos, que o diga), para séries de televisão, para o teatro e até para enredos de escolas de samba são outra fontes preciosas de promoção de obras; cresceu significativamente o número de premiações e concursos no país (temos agora o Jabuti acadêmico, a revista Serrote promove um concurso de ensaios, para citar alguns).


Temos uma coluna regular de livros no rádio (Clube do livro, de José Godoy, dentro do Estúdio CBN), eventos em quantidade impressionante (ao lado de casos longevos, como o quarentão Sempre um papo, coordenado por Afonso Borges, em Belo Horizonte, e a tradicionalíssima Feira de Livros de Porto Alegre), como a Flipoços, a Flup, a Fliti, a Flipelô e por aí vai (impossível citar todas). As entidades do livro (CBL, Snel, ANL, Abrelivros) estão ativas e promovendo eventos de discussão e de formação bastante relevantes. Tem a Universidade do Livro, da Unesp, lapidando profissionais. Enfim, o ambiente é bastante estimulante e animador. Se você quer ser escritor, editor, designer gráfico, este é o momento (deixemos claro que falamos, até aqui, do ambiente no setor privado, que é a aproximadamente metade do mercado total de livros no Brasil; as vendas governamentais vêm sofrendo problemas sérios, que não temos como abordar no âmbito dessa missiva digital).


Mas nem tudo são verdades absolutas no mundo dos livros: trataremos dos livros silenciosos na segunda parte desta Edição Extra da Livros imperecíveis: aqui.


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